Norma 067/2011 de 30/12/2011

Prescrição de Agentes Biológicos nas Doenças Reumáticas

Nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 2º do Decreto Regulamentar nº 66/2007, de 29 de maio, na redação dada pelo Decreto Regulamentar nº 21/2008, de 2 de dezembro, a Direção-Geral da Saúde, por proposta do seu Departamento da Qualidade na Saúde e da Ordem dos Médicos, emite a seguinte

I – NORMA

  1. Os medicamentos abrangidos pela presente Norma apenas podem ser prescritos em consultas especializadas no diagnóstico e tratamento da artrite reumatóide (AR), espondilite anquilosante (EA), artrite psoriática (AP) e artrite idiopática juvenil (AIJ) (Nível de evidência B, Grau de recomendação I).
  2. São elegíveis para tratamento com agentes biológicos os doentes com AR, EA, AP ou AIJ que mantêm doença ativa (Cf. ponto II- CRITÉRIO alínea b) apesar da terapêutica adequada e otimizada com os fármacos clássicos recomendados (Nível de Evidência A, Grau de recomendação I).
  3. A fundamentação para prescrição e manutenção de agentes biológicos, baseada em instrumentos aceites e validados, tem que estar disponível no processo clínico e em suporte informático (base de dados informática específica que contenha os instrumentos validados para a avaliação da eficácia e segurança destes medicamentos) (Nível de evidência C, Grau de recomendação I).
  4. Previamente ao início da terapêutica com o agente biológico têm que ser cumpridos os procedimentos de segurança gerais e específicos de cada fármaco (II- CRITÉRIO d)) (Nível de evidência B, Grau de recomendação I).
  5. Os doentes sob terapêutica biológica devem ter avaliações em consultas especializadas, pelo menos trimestralmente (Nível de evidência A, Grau de recomendação I).
  6. Durante o tratamento com agentes biológicos têm que ser respeitados os procedimentos de segurança (Cf. ponto II- CRITÉRIO alínea f), registados no registo informático específico acima referido eventuais efeitos adversos e comunicados estes efeitos adversos em impresso próprio ao Infarmed. (Nível de evidência B, Grau de recomendação I).
  7. Para manutenção da terapêutica biológica é necessário que esta prove ser eficaz e segura no doente individual (II- CRITÉRIO g) (Nível de evidência A, Grau de recomendação I).
  8. O algoritmo clínico/árvore de decisão referente à presente Norma, assim como os agentes biológicos atualmente aprovados pela Agência Europeia de  Medicamentos (EMA) encontram-se em anexo.
  9. As exceções à presente Norma são fundamentadas clinicamente, com registo no processo clínico e no registo informático específico.

II – CRITÉRIOS

  1. Os doentes candidatos a terapêutica biológica representam o extremo mais grave do espectro destas doenças, já de si pouco frequentes e complexas, pelo que devem ser acompanhados por médicos especialistas e experientes no seu diagnóstico, tratamento e seguimento. As consultas especializadas no diagnóstico e tratamento da AR, EA, AP e AIJ devem ter coordenação assegurada por um médico especialista com treino na utilização destes medicamentos.
  2. São elegíveis para tratamento com fármacos biológicos os doentes que mantêm doença ativa, apesar da terapêutica adequadamente instituída e otimizada com fármacos de síntese recomendados. Para determinação da atividade da doença devem ser utilizados instrumentos válidos, específicos para cada patologia:
    1. artrite reumatóide: o DAS 28 é, entre nós, o instrumento mais divulgado. São elegíveis para tratamento com agentes biológicos os doentes com DAS 28 ≥ 3,2 ou 2,6 < DAS < 3,2 e evidência de agravamento funcional (aumento do HAQ > 0,22 em 6 meses) ou estrutural (aumento do índice de Larsen > 6 ou do índice de Sharp van der Heijde > 5 em 12 meses) e que falham, ou apresentam resposta inadequada, a fármacos modificadores da doença (DMARDs) convencionais, concretamente o metotrexato (MTX) em dose estável mínima de 20mg (oral ou parentérica) durante 3 meses. Nesta situação, o médico especialista pode prosseguir diretamente com a introdução de terapêutica biológica (sobretudo em doentes que apresentam factores de mau prognóstico) ou optar por efetuar outro DMARD de síntese, isolado ou em combinação, durante, pelo menos, 3 meses, antes de iniciar terapêutica biológica (sobretudo em doentes sem fatores de mau prognóstico). Em caso de intolerância, toxicidade ou recusa (o doente deve assinar declaração escrita) da terapêutica com MTX, o doente pode ser considerado elegível para tratamento com um agente biológico, se apresentar resposta inadequada após tratamento em dose estável e otimizada, durante pelo menos 3 meses com outro DMARD convencional isolado ou em associação. Se o MTX não puder ser incluído no esquema terapêutico, o doente deve ser elegível para um agente biológico que não requeira administração concomitante de MTX;
    2. espondilite anquilosante: o BASDAI e o ASDAS são considerados os instrumentos apropriados para medir a atividade da doença axial. São elegíveis para tratamento com agentes biológicos os doentes com EA axial que mantêm BASDAI ≥ 4 ou ASDAS ≥ 2.1 em duas ocasiões separadas com, pelo menos, 1 mês de intervalo, apesar de medicação com AINEs em dose máxima recomendada por um período mínimo de 2 semanas, exceto se contra-indicação ou efeitos adversos. Tem que haver falência ou resposta inadequada a pelo menos 2 AINEs. Em caso de doença estritamente axial não existe evidência que suporte a terapêutica com DMARDs de síntese. Os doentes com envolvimento periférico devem ser tratados previamente com um DMARD de síntese, preferencialmente a sulfassalazina, a não ser que haja contra-indicação ou efeitos adversos. Nos doentes com mono ou oligoartrite deve ser tentada, previamente, pelo menos uma injeção intraarticular de corticosteroide de longa duração. No caso de entesite sintomática deve ser feita, pelo menos, uma infiltração local com corticosteroide, exceto se contra-indicado;
    3. artrite psoriásica: é uma doença heterogénea e não existe um score de atividade global da doença. Se apresentar um comportamento “AR-like” podem ser utilizados os mesmos instrumentos que para a AR; se houver, apenas, envolvimento axial podem ser utilizados os mesmos instrumentos aplicados na EA. Nas outras circunstâncias, deve ser feita a contagem articular (66 articulações), a quantificação de entesis dolorosas e de dactilites, a avaliação global da atividade da doença pelo médico e pelo doente, assim como a sua repercussão funcional e o doseamento de reagentes de fase aguda. No caso da AP periférica, são elegíveis para tratamento com agentes biológicos os doentes com 5 ou mais articulações tumefactas (numa contagem de 66 articulações) em duas ocasiões separadas, pelo menos por 1 mês de intervalo e falência ou resposta inadequada a, pelo menos, um DMARD de síntese (metotrexato, sulfassalazina, leflunomida, ciclosporina) em dose estável adequada, durante pelo menos 3 meses, exceto se houver intolerância, toxicidade ou contra-indicação. No caso de mono/oligoartrite os corticóides intra-articulares de longa duração devem, também, ser considerados. A decisão de tratar com agentes biológicos os doentes com menos de 5 articulações envolvidas, entesite ou dactilite deve ser feita caso a caso, de acordo com a opinião do médico especialista e tendo em consideração a gravidade da doença, o dano estrutural, a elevação de reagentes de fase aguda e o impacto nas atividades da vida diária, função e qualidade de vida. No caso da AP de envolvimento axial os critérios para início de agente biológico são idênticos à EA;
    4. artrite idiopática juvenil: não existe um score de actividade global da doença, pelo que da avaliação deve constar a contagem de articulações ativas e limitadas (75 articulações), a avaliação global da atividade da doença pelo médico e pelo doente/pais, a investigação da presença de manifestações sistémicas ou complicações oculares, o doseamento de reagentes de fase aguda e a avaliação da repercussão funcional através do CHAQ. São elegíveis para tratamento com agentes biológicos os doentes que mantêm 5 ou mais articulações ativas em 2 avaliações separadas, por um intervalo de pelo menos 3 meses, apesar da terapêutica convencional adequada que inclui o MTX em dose eficaz (pelo menos 15 mg/m2 /semana oral ou parentérico) estável, pelo menos, durante 3 meses, a não ser que haja contra-indicação ou intolerância e injecções intra-articulares de corticosteroide de longa duração, quando indicado. A decisão de tratar doentes com oligoartrite activa, entesite, uveíte crónica associada a AIJ ou manifestações sistémicas, deve ser efetuada numa base individual e tendo em conta marcadores de prognóstico, efeitos secundários da terapêutica e a capacidade funcional.
  3. Quando da prescrição, o médico especialista é responsável pela avaliação objetiva da atividade da doença, assim como da realização de todos os procedimentos de segurança e avaliação de eventuais contra-indicações. Os doentes com patologia reumática tratados com agentes biológicos são, obrigatoriamente, registados numa base de dados específica que contenha os instrumentos validados para a avaliação da eficácia e segurança destes medicamentos e avaliados periodicamente utilizando esses instrumentos de avaliação incluídos no registo informatizado, a partilhar com o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P) ou outro organismo dependente do Ministério da Saúde e por este indicado. O médico prescritor tem o dever de informar o doente sobre vantagens e efeitos secundários mais frequentes destes fármacos. A partilha de cuidados de saúde com o médico de família e pediatra assistente é imprescindível e a circulação de informação deve ser feita por escrito, abrangendo os seguintes aspectos mínimos: diagnóstico; terapêuticas em curso, incluindo vantagens e riscos potenciais da sua utilização; nome e forma de administração do agente biológico; eventos adversos mais frequentes; monitorização da eficácia e da segurança; meios de contacto direto para ser utilizado sempre que surjam dúvidas quanto à forma de administração do medicamento ou relativas a eventuais efeitos adversos do mesmo;
  4. Os procedimentos de segurança prévios ao primeiro tratamento com qualquer fármaco biológico incluem:
    1. cumprimento das recomendações conjuntas da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e Sociedade Portuguesa de Pneumologia para diagnóstico e tratamento de tuberculose latente e ativa disponíveis no site da Direção-Geral da Saúde;
    2. serologias do VIH, VHB e VHC;
    3. avaliação da existência de infecções ativas e/ou recorrentes, nomeadamente das peças dentárias, vias urinárias, vias respiratórias e seios perinasais;
    4. atualização do Plano Nacional de Vacinação (PNV), vacina pneumocócica e anti-gripal;
    5. exclusão de gravidez;
    6. doseamento das imunoglobulinas, no caso de tratamento com rituximab;
    7. os cuidados de segurança adicionais específicos ao tratamento com tocilizumab são:
      1. não iniciar em doentes com contagens de neutrófilos inferiores a 0,5 x 109/l, plaquetas inferiores a 50 x 109/l ou transferases superiores a 5 x o limite superior do intervalo de referência;
      2. iniciar com precaução em doentes com contagens de neutrófilos inferiores a 2 x 109/l, plaquetas inferiores a 100 x 103/µl ou transferases superiores a 1,5 x o limite superior do intervalo de referência.
    8. são contra-indicações absolutas para o início de agentes biológicos:
      1. infecções ativas;
      2. administração de vacinas vivas há menos de 1 mês;
      3. história de neoplasia há menos de 5 anos;
      4. insuficiência cardíaca congestiva classe III-IV NYHA;
      5. história de doença desmielinizante (esclerose múltipla, nevrite óptica, síndrome de Guillain-Barré).
    9. não devem ser efetuados esquemas terapêuticos com mais do que um agente biológico em simultâneo. Devem ser cumpridos os prazos aceites entre a suspensão de um fármaco biológico e o início de outro (etanercept 3 semanas; abatacept, adalimumab, certolizumab, golimumab e infliximab 8 semanas; rituximab 16 semanas para antagonista do TNF e 24 semanas para outros fármacos biológicos; tocilizumab 4 semanas para anti-TNF).
  5. Os doentes sob terapêutica biológica devem ser avaliados com uma frequência trimestral, ou, mais frequentemente, caso a doença não esteja devidamente controlada. Em cada avaliação deve ser documentada a atividade da doença, existência ou não de efeitos adversos e efetuados os ajustes terapêuticos necessários. Esta informação deve ser inserida no registo informático especifico, onde cada doente deve ter, no mínimo, três avaliações por ano.
  6. Procedimentos de segurança e registo de eventuais efeitos adversos durante o tratamento com agentes biológicos:
    1. em caso de reação alérgica grave deve suspender-se o agente biológico;
    2. antes de retratar com rituximab cumprir tempo mínimo de 24 semanas sobre tratamento anterior e dosear imunoglobulinas;
    3. os doentes medicados com infliximab que suspendem a terapêutica por um período ≥ 12 semanas devem fazer pré-medicação com 100 mg de hidrocortisona EV nas 3 primeiras administrações após a reintrodução do infliximab;
    4. suspender temporariamente biológicos em caso de infecção ativa, cirurgia ou gravidez;
    5. o período recomendado de suspensão antes de cirurgias programadas é de: etanercept e certolizumab 2 semanas; infliximab, adalimumab e tocilizumab 4 semanas; abatacept 8 semanas, rituximab 24 semanas. Os dados de segurança do tratamento com golimumab em doentes submetidos a procedimentos cirúrgicos são limitados, mas deve ser considerada a longa semi-vida do medicamento (12 ± 3 dias);
    6. o período recomendado de suspensão antes de gravidez programada é de: etanercept 3 semanas; infliximab e adalimumab 8 semanas; certolizumab 20 semanas; tocilizumab 12 semanas; abatacept 14 semanas; rituximab 24 semanas; anakinra 2-3 dias;
    7. a terapêutica biológica não deve ser iniciada em mulheres grávidas ou a amamentar; se ocorrer uma gravidez, o fármaco biológico deve ser suspenso.
  7. A manutenção da terapêutica biológica deve basear-se na demonstração da segurança do fármaco e da sua eficácia, ou seja, da existência de uma resposta adequada. Os indicadores de resposta, mais frequentemente utilizados, são, para a AR o delta DAS28 e a resposta ACR, para a EA e AP axial a resposta ASDAS e a diminuição do BASDAI e para a AP periférica a resposta PsARC9 ou DAS28. Para determinar a resposta à terapêutica, o instrumento utilizado habitualmente na AIJ com evolução poliarticular é a resposta ACR Pedi e na AIJ sistémica a presença/ausência de manifestações sistémicas (febre, rash, esplenomegalia e adenopatias) e os marcadores de inflamação (VS e PCR).
  8. A terapêutica biológica só deve ser mantida nos doentes que, documentadamente, dela beneficiam:
      1. artrite reumatóide: a primeira decisão é efetuada aos 3 meses e deve ser suportada pela opinião do médico especialista. Os doentes devem manter terapêutica biológica, apenas, se for observada uma melhoria de pelo menos 0,6 no DAS 28 score em relação ao início do biológico. Aos 6 meses, deverá ser efetuada nova reavaliação e a terapêutica mantida, apenas, se ocorrer uma melhoria de, pelo menos, 1,2 no DAS score em relação ao valor no início da terapêutica;
      2. espondilite anquilosante: a decisão é efetuada aos 3 meses, tendo em consideração a melhoria da atividade inflamatória e a opinião do médico especialista. São critérios de resposta:
        1. diminuição do BASDAI em 50 % ou em ≥ 2 unidades numa escala de 0-10 ou
        2. redução do ASDAS em ≥1,1 unidades;
      3. artrite psoriásica: na AP periférica a decisão aos 3 meses é baseada na obtenção de resposta PsARC ou redução de, pelo menos 0,6 no DAS 28, nas formas AR-like. Aos 6 meses a decisão de manter a terapêutica deve acontecer se mantiver resposta PsARC ou se a redução do DAS 28 for pelo menos 1,2 em relação ao valor no início do tratamento; na AP axial o critério de resposta é idêntico ao da EA;
      4. artrite idiopática juvenil: a decisão é efetuada aos 3 meses baseada na obtenção de uma resposta ACR Pedi 30, no caso da AIJ com evolução poliarticular ou na ausência de manifestações sistémicas e normalização dos parâmetros inflamatórios, no caso da AIJ com evolução sistémica.

    Em caso de resposta inadequada a um agente biológico, deve verificar-se se a terapêutica concomitante está otimizada. Se o doente apresentar falência completa ou parcial após o período de tempo considerado adequado, o médico especialista deve suspender o agente biológico em curso e pode decidir efetuar uma mudança para outro fármaco biológico. Essa mudança deverá ser efetuada de acordo com os fármacos aprovados para a indicação em causa. A mudança pode ser feita para um fármaco biológico da mesma classe (no caso da AR, EA, AP e AIJ) ou para um fármaco com mecanismo de ação diferente (no caso da AR e AIJ).

III – AVALIAÇÃO

  1. A avaliação da implementação da presente Norma é contínua, executada a nível local, regional e nacional, através de processos de auditoria interna e externa.
  2. A Direção-Geral da Saúde, através do Departamento da Qualidade na Saúde e da Administração Central do Sistema de Saúde, elabora e divulga relatórios de progresso de monitorização.
  3. Enquanto não estiver concluída a parametrização dos sistemas de informação para a monitorização e avaliação da implementação e impacte da presente Norma, os hospitais, ao abrigo do despacho n.º 17069/2011 do Secretário de Estado da Saúde, têm de monitorizar os seguintes indicadores de avaliação:
    1. % de doentes com artrite reumatóide em tratamento com agentes biológicos, de entre todos os doentes com artrite reumatóide, no ano;
    2. % de doentes com artrite psoriásica periférica em tratamento com agentes biológicos, de entre todos os doentes com artrite psoriásica periférica, no ano;
    3. % de doentes com artrite idiopática juvenil em tratamento com agentes biológicos, de entre todos os doentes com artrite idiopática juvenil, no ano;
    4. % de doentes com espondilite anquilosante (GCD, Diagnóstico 720.0) em tratamento com agentes biológicos, de entre todos os doentes com espondilite anquilosante, no ano;
    5. % de doentes com artrite psoriásica axial em tratamento com agentes biológicos, de entre todos os doentes com artrite psoriásica axial, no ano
    6. % de doentes que efetuaram terapêutica com MTX, antes do início da terapêutica biológica (aplicável à AR, AIJ poliarticular e AP com envolvimento predominante periférico poliarticular). (numerador: número de doentes que efetuaram MTX antes do início da terapêutica biológica; denominador: total de doentes que iniciaram terapêutica biológica nesse periodo, de acordo com as patologias consideradas);
    7. % de doentes que iniciaram terapêutica biológica com DAS28<3.2 (aplicável à AR e AP com envolvimento predominante periférico poliarticular) e com BASDAI<4 (aplicável à EA e AP com envolvimento predominantemente axial). (numerador: número de doentes que iniciaram terapêutica biológica com DAS28<3.2 ou com BASDAI<4; denominador: total de doentes que iniciaram terapêutica biológica no período considerado, de acordo com as patologias consideradas).

IV – FUNDAMENTAÇÃO

  1. As doenças reumáticas articulares inflamatórias (DRAI) são entidades pouco frequentes que apresentam um elevado grau de complexidade diagnóstica e terapêutica10. A sofisticação e custo dos vários meios de diagnóstico necessários, a utilização de variados critérios diagnósticos específicos e em evolução, a exigência de monitorização periódica, que inclui observação articular minuciosa e o uso de instrumentos exclusivos para cada uma das doenças
    e o número crescente de DMARD, sobretudo biológicos, cujo emprego representa riscos para o doente e avultados gastos para o Sistema Nacional de Saúde, aconselha que estes doentes sejam seguidos por especialistas experientes e especificamente dedicados. Acresce que o tratamento biológico é usado por apenas uma minoria dos doentes com DRAI. Existe evidência científica substancial que suporta a sensatez e a prudência de referir os doentes com DRAI para as consultas especializadas no diagnóstico e tratamento destas doenças.
  2. O objetivo primário do tratamento das DRAI é a remissão, pois a persistência de inflamação articular é causadora de dano estrutural, de impotência funcional, de incapacidade e de redução da esperança de vida. Com uma remissão duradoura é possível travar a lesão estrutural, normalizar a função e manter a participação social e laboral, o que se traduz em menores custos para o próprio e para a sociedade. A remissão clínica é, hoje, um objetivo
    alcançável para muitos doentes, desde que tratados corretamente. A utilização precoce de DMARD de síntese, em doses adequadas, com monitorizações frequentes e com um objetivo terapêutico bem definido, constituem a estratégia correta da abordagem das DRAI. Os DMARD de síntese constituem o pilar do tratamento da AR, da AP periférica e da AIJ com evolução poliarticular, mas não existe documentação robusta da eficácia de DMARD de síntese
    na EA ou nas manifestações sistémicas da AIJ. Os doentes não controlados com fármacos de síntese, particularmente quando apresentam marcadores de mau prognóstico, deverão ter acesso a tratamento com agentes biológicos. Está bem documentada a sua eficácia na redução dos sintomas e sinais inflamatórios, na melhoria da qualidade de vida, mas, também, na redução do dano estrutural, no caso da AR, AP e AIJ. Com base na evidência existente para a AR, os agentes biológicos são, em regra, mais eficazes no controlo da artrite quando associados ao MTX, embora possam ser utilizados em monoterapia caso exista contraindicação ou intolerância a DMARD de síntese. Pelo contrário, no tratamento da EA ou da AP axial não há documentação da necessidade de usar um DMARD de síntese associado ao agente biológico;
  3. A prescrição de um agente biológico pelo médico especialista, obriga à avaliação objetiva da atividade da doença, utilizando os instrumentos de avaliação validados, quer para a indicação de início da terapêutica, quer para a manutenção da mesma, através da avaliação da eficácia e da segurança. Por outro lado, previamente ao início da terapêutica devem ser, ,obrigatoriamente, realizados todos os procedimentos de segurança e avaliadas as eventuais
    contra-indicações a quem é efetuada a prescrição. Para permitir a monitorização e auditoria da utilização destas terapêuticas os doentes com patologia reumática, tratados com agentes biológicos, devem ser, obrigatoriamente, registados em registo informático especifico e avaliados periodicamente de acordo com os instrumentos de avaliação incluídos nesse registo. Face ao risco potencial de efeitos adversos graves dos agentes biológicos, o médico
    especialista prescritor tem o dever de informar o doente sobre vantagens e efeitos secundários mais frequentes destes fármacos, levando a uma partilha da responsabilidade da prescrição dos mesmos com o doente e/ou seus familiares. A consulta de cuidados primários e a consulta especializada têm um papel insubstituível na partilha de cuidados de saúde prestados a estes doentes. Esta colaboração entre médicos dos dois níveis de cuidados é fundamental para a prevenção da iatrogenia, quer clinicamente, quer através do pedido e avaliação dos controlos laboratoriais periódicos necessários;
  4. As terapêuticas biológicas têm um risco acrescido de complicações infecciosas, nomeadamente respiratórias, cutâneas e urinárias e, por isso, é muito importante proceder a uma avaliação detalhada de situações clínicas associadas a aumento desse risco e que incluem a idade avançada, outras patologias crónicas concomitantes, infecções de repetição e uso de corticosteroides em doses superiores a 10mg por dia44, 45 ou, nas crianças, superior a 1-2 mg/kg/dia ou 20 mg/dia. Além do risco de infecção de novo, existem outras situações clínicas que potencialmente podem ser agravadas com o uso de biológicos, como infecções indolentes prévias (tuberculose ou virais), a insuficiência cardíaca, as doenças desmielinizantes centrais ou periféricas e as doenças neoplásicas50. Por estes motivos, antes do início de um biológico, deve proceder-se a exame físico detalhado, para identificação de focos infecciosos, sinais de insuficiência cardíaca, neoplasia ou de outras situações clínicas que contra-indiquem o uso destes fármacos. Adicionalmente, é fundamental a realização de exames complementares que incluem, no mínimo, hemograma, marcadores de função renal e de função hepática, análise sumária da urina, parâmetros inflamatórios, serologias dos VHB (AgHbs, anticorpo (Ac) anti-Hbc, ac anti-Hbs), VHC (Ac anti-VHC) e VIH1 e VIH2. Para uma adequada avaliação do risco de tuberculose, todos os doentes devem ser observados por especialistas em tuberculose. Todos os doentes devem ser clinicamente avaliados para exclusão de tuberculose ativa, incluindo inquérito dos fatores de risco de tuberculose e realizar radiografia do tórax e prova tuberculínica, para diagnóstico de tuberculose latente. Se a prova tuberculínica for inferior a 5mm, deverá ser repetida no membro superior contralateral, no espaço de uma a duas semanas (técnica two steps). Dependendo das circunstâncias clínicas, um teste de libertação de interferão gamma (IGRA), o exame da expectoração e uma tomografia axial computorizada poderão estar indicados para uma decisão final. No caso das crianças, apesar do aparente menor risco para o desenvolvimento de tuberculose, devido, provavelmente, a menor taxa de prevalência de tuberculose latente nas crianças comparativamente aos adultos, considerando que Portugal é um país de incidência intermédia de tuberculose e tem a vacina BCG incluída no PNV, é, igualmente, recomendado o rastreio de tuberculose, para exclusão de tuberculose ativa e diagnóstico de tuberculose latente. Este deve incluir: 1) inquérito epidemiológico, 2) prova tuberculínica 3) IGRA, dada a maior taxa de anergia à prova tuberculínica nas crianças e, particularmente, em crianças imunossuprimidas e 4) radiografia de tórax ou, eventualmente, TC torácica. A interpretação dos resultados deverá ser orientada por pneumologista ou infeciologista pediátrico. Para a redução do risco de infecções respiratórias graves a vacina contra a gripe sazonal e contra o pneumococo (Prevenar se idade <2 anos ou Pneumo 23 acima desta idade) devem ser previamente administradas. As vacinas do PNV devem ser atualizadas previamente ao início de
    agentes biológicos e as vacinas vivas estão contraindicadas. Nas crianças em que se antecipa a possibilidade da necessidade de terapêutica biológica é também recomendado, antes do início de qualquer terapêutica imunossupressora, a avaliação da presença de história de infecção prévia por vírus varicella zoster (VZV) e, na sua ausência, a realização de serologia para o VZV. Na ausência de história de infecção por VZV, vacina contra VZV ou se a serologia
    for negativa para VZV deve ser administrada a vacina da varicela antes do início de qualquer terapêutica imunossupressora (2-4-semanas) caso a atividade da AIJ o permita. Uma vez que a resposta vacinal à pneumo23 parece estar reduzida nos doentes sob MTX, esta, quando indicada, deverá ser administrada preferencialmente antes do início de qualquer terapêutica imunossupressora, se a atividade da doença assim o permitir. Dado o risco aumentado de
    complicações da infecção pelo vírus influenza nos doentes imunossuprimidos e tendo em conta a segurança e imunogenicidade das vacinas da gripe não vivas, a vacinação contra a gripe sazonal deverá ser repetida anualmente antes da época gripal. No caso específico dos doentes tratados com rituximab deverá ser efetuado o doseamento de imunoglobulinas antes do início da terapêutica, dado o risco mais elevado de infecções graves nos doentes com
    hipogamaglobulinémia, particularmente com níveis baixos de IgG. Estão descritos nos ensaios clínicos do tocilizumab, e foram integradas no resumo das características do medicamento, efeitos adversos hematológicos e hepáticos, tendo sido propostos limites específicos na contagem de plaquetas, leucócitos e da alanina aminotransferase (ALT) que deverão excluir o doente da toma deste fármaco. A evidência disponível até agora, sugere que a associação de agentes biológicos não aumenta a eficácia e aumenta o risco de efeitos adversos. Não há dados sólidos sobre a segurança dos agentes biológicos em caso de gravidez, pelo que não se recomenda o seu início em caso de gravidez ou de gravidez programada;
  5. A par do início atempado de um tratamento eficaz, a monitorização e os ajustes frequentes dos fármacos são documentadamente a melhor estratégia para alcançar a remissão clínica. O ajuste das doses deve ser feito em intervalos de 1-3 meses até se alcançar o alvo terapêutico e, posteriormente, a cada 3 meses. Este princípio é válido tanto para os DMARD de síntese como para DMARD biológicos. Em cada avaliação devem, ainda, ser verificados os aspectos
    de segurança, nomeadamente pesquisar complicações infecciosas ou outras e documentados em registo próprio. Acresce que o acesso facilitado aos serviços de saúde e a abordagem personalizada são fatores que promovem uma melhor adesão ao tratamento;
  6. Em caso de reação alérgica a qualquer dos fármacos biológicos, sugere-se a sua interrupção e administração de anti-histamínicos e/ou corticosteroides. Embora se possa continuar a administração destes fármacos quando as reações alérgicas não são graves, efetuando terapêutica preventiva com anti-histamínicos e corticosteroides, a disponibilidade de outras opções terapêuticas sugere que a atitude mais prudente seja a interrupção definitiva após a
    reação alérgica e a mudança para outro fármaco. No seguimento dos doentes tratados com rituximab deverá ser repetido o doseamento de imunoglobulinas antes dos retratamentos, dado o risco elevado de infecções graves nos doentes com hipogamaglobulinémia, particularmente nos casos em que há baixos níveis de IgG61,62. De acordo com a experiência clínica atual o intervalo mínimo entre duas administrações de rituximab deverá ser de 24
    semanas. Não há evidência publicada sugestiva de teratogenicidade induzida pelos biológicos, mas devido à escassa experiência disponível, estes fármacos devem ser interrompidos em caso de gravidez ou em caso de gravidez programada. Devido ao provável aumento do risco de complicações infecciosas decorrentes de cirurgias os fármacos biológicos devem ser interrompidos com uma antecedência mínima, dependente da semi-vida do fármaco, antes de uma cirurgia programada;
  7. Manutenção da terapêutica biológica:
    1. artrite reumatóide: A primeira decisão de manter a terapêutica biológica deve ser efetuada três meses após início da terapêutica e confirmada aos 6 meses. Se se observar uma falência à terapêutica ou uma resposta incompleta ou inadequada, o médico especialista pode optar por mudar a terapêutica biológica para outro agente biológico, que poderá ser um antagonista do TNF, abatacept, rituximab ou tocilizumab. A falência prévia a um antagonista do TNF não significa que ocorra falência a outro. De fato, tem sido registado sucesso nas mudanças de antagonista de TNF. De qualquer modo, estudos observacionais têm demonstrado que a taxa de resposta vai diminuindo com a mudança do primeiro para o segundo anti-TNF e deste para um terceiro, sendo, neste caso, a taxa de resposta muito baixa. Estas observações têm, também, demonstrado que doentes que apresentam eventos adversos a um antagonista do TNF podem responder a outro, mas têm maior probabilidade de não tolerar o segundo antiTNF,
      desenvolvendo eventos adversos;
    2. espondilite anquilosante: A resposta à terapêutica biológica deve ser avaliada após 3 meses de tratamento contínuo. A escolha de, pelo menos, 3 meses para a primeira decisão de manutenção terapêutica baseia-se em ensaios clínicos de fase III efetuados com antagonistas do TNF, que mostraram estabilização da resposta após 12 semanas de terapêutica. A resposta BASDAI tem sido, classicamente, a mais utilizada, mas, atualmente, a resposta ASDAS está já validada pelo OMERACT e, nalguns trabalhos, mostrou ser superior à variação do BASDAI na detecção de resposta, sobretudo no componente axial da EA. No caso de se observar resposta inadequada a um agente biológico no tempo considerado adequado, é recomendada a troca para outro agente biológico. Atualmente, apenas estão aprovados antagonistas do TNF como agentes biológicos para a terapêutica da EA. A mudança de antagonista do TNF tem demonstrado sucesso. Há vários estudos que confirmam resposta a um segundo antiTNF
      e mesmo a um terceiro. Um trabalho mostrou menor resposta no caso da mudança ter sido efetuada por ineficácia, quando comparada com a mudança de antagonista do TNF por evento adverso. Os doentes com falência secundária na resposta (na qual a formação de anticorpos poderá estar envolvida) parecem ter maior probabilidade de responder a uma mudança de antagonista do TNF, quando comparados com doentes com falência primária94, 95. Não há evidência de que o aumento da dose ou frequência dos antagonistas do TNF em relação às doses e frequências aprovadas para EA, aumente a taxa de resposta;
    3. artrite psoriática: Ao contrário da AR, na AP não há instrumentos que sejam, definitiva e universalmente, aceites como medidas para avaliar a resposta na doença articular periférica ativa. Vários domínios podem ser afetados na AP, por isso, além da avaliação da resposta utilizando os instrumentos internacionalmente aceites, a avaliação global pelo médico deve ser um parâmetro importante a ter em conta na decisão de manter ou suspender a terapêutica biológica. A decisão do médico especialista deve basear-se em dados clínicos, laboratoriais e imagiológicos. A resposta ao tratamento da AP semelhante à AR (AR-like, ou AP com um envolvimento articular semelhante à AR) pode ser avaliada de acordo com os critérios de resposta EULAR desenvolvidos para a AR, utilizando o DAS. No entanto, os doentes com envolvimento das articulações interfalângicas distais não devem ser considerados como AP semelhante a AR, e o DAS28 não deverá ser utilizado para avaliar resposta neste subgrupo de doentes. Em opção pode ser considerada a resposta PsARC para a avaliação da manutenção da terapêutica. Para a AP com envolvimento axial adotam-se os critérios de resposta já descritos acima para a EA: a resposta à terapêutica biológica deve ser avaliada após 3 meses de tratamento contínuo.Espera-se que, no futuro, venham a estar disponíveis novos instrumentos que avaliem, de forma precisa e mais abrangente, a eligibilidade e resposta à terapêutica em doentes com AP;
    4. Artrite idiopática juvenil: A terapêutica biológica só deve ser mantida se os doentes com AIJ poliarticular obtiverem uma resposta ACR Pedi 30 após 3 meses sob terapêutica biológica ou, no caso da AIJ sistémica, se os doentes também não apresentarem manifestações sistémicas. Se a resposta não for considerada adequada, de acordo com esta definição, deve ponderar-se a troca de agente biológico ou a instituição de uma estratégia terapêutica alternativa.
  8. Em relação à monitorização da efetividade da presente Norma:
    1. é expectável que pelo menos 85% dos doentes com AR, AP periférica e AIJ estejam medicados com DMARD de síntese e 90% dos doentes com EA ou AP axial estejam medicados com AINE em dose apropriada;
    2. é expectável um aumento progressivo do número de doentes e do número de avaliações por doente sob terapêutica biológica após implementação das normas: no 1º ano ≥70%; no 2º ano ≥80% e nos anos seguintes ≥90%;
    3. é expectável que ≥95% dos doentes tenham realizado rastreio da tuberculose antes do início do fármaco biológico;
    4. considerando estas 4 doenças em conjunto, é expectável que 25% dos doentes se encontrem há ≥ 6 meses em remissão e 50% em baixa atividade. O controlo adequado da doença refletir-se-á a médio prazo noutros indicadores: redução de reformas antecipadas, redução de cirurgias ortopédicas, redução do nº de doentes em hemodiálise por amiloidose secundária, redução do nº de internamentos por complicações gastrointestinais, renais ou cardiovasculares e em última análise numa maior esperança de vida destes doentes.

V – APOIO CIENTÍFICO

  1. A presente Norma foi elaborada pelo Departamento da Qualidade na Saúde da Direção-Geral da Saúde e pelo Conselho para Auditoria e Qualidade da Ordem dos Médicos, através dos seus Colégios de Especialidade, ao abrigo do protocolo entre a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos, no âmbito da melhoria da Qualidade no Sistema de Saúde.
  2. Jaime Branco, José António de Melo Gomes (coordenação científica), Elisabete Melo Gomes (coordenação executiva), Helena Canhão, João Eurico da Fonseca, Maria José Santos e Marta Conde.
  3. A presente Norma foi visada pela Comissão Científica para as Boas Práticas Clínicas.
  4. A versão de teste da presente Norma vai ser submetida à audição das sociedades científicas.
  5. Foram subscritas declarações de interesse de todos os peritos envolvidos na elaboração da presente Norma.
  6. Durante o período de audição só serão aceites comentários inscritos em formulário próprio disponível no site desta Direção-Geral, acompanhados das respectivas declarações de interesse.
2017-11-25T17:18:38+00:00